Publicado na edição de setembro de 2022 da Revista FOZ

 

Manuel Luís Goucha

Os verões na Figueira da Foz

Este sou eu, rapazelho, de férias, na Figueira da Foz.
Ainda hoje tenho pela cidade uma ternura especial e muito devido às lembranças dessa época. Íamos, sempre, em Agosto e alugávamos casa na rua do Vizo, junto ao Toural. Já na altura não entendia o gáudio que a lida causava nos ditos aficcionados. A manhã era passada na praia, imensa e alinhada consoante as posses de cada um. Se junto ao relógio, em frente ao Grande Hotel, pontificava a burguesia de Coimbra, em Buarcos, terra de pescadores, veraneavam os de magros recursos. Nós, ficávamos ali entre uns e outros, já que éramos remediados, como ora se dizia. Recordo o homem da bolacha americana ou da língua da sogra, assim chamada talvez pela sua compridez, bem como a senhora das bolas que se esbarrigavam de creme. Vinham ao alto, numa caixa de folha imaculada. Também se vendiam os bolos que, tal como a pedra, dão bom nome à vila de Ançã, e o Rajá fresquinho. Só a prosa me faz salivar de desejo!
Já de embirrar mesmo, eram os mergulhos encomendados ao banheiro, vá-se lá saber porquê… e logo naquelas tão gélidas águas… e a sesta depois do almoço, que me diziam ser boa para deitar corpo e eu a tê-la sempre como pura perda de tempo, que o que queria era folgança. Felizmente que a tarde não acabava sem irmos às amoras, das que deixam os lábios tintos. Era cá uma barrigada!
À noite fazia-se o “picadeiro” junto ao Casino, onde, no então conhecido como “Pátio das galinhas”, se amesendava toda uma sociedade galante e galhofeira. Lá dentro, bailes e variedades com artistas afamados, só para maiores e com cheta. Não nos restava senão andar para cima e para baixo, a fazer horas para a deita. E era esgotados e felizes que caíamos à cama, certos que no dia a seguir faríamos tudo de novo. Bendito ócio!

Publicado pelo autor no blog O Cabaré do Goucha

 

Júlio Isidro

Já não há má língua como a daquele largo

Assim era chamado este largo de Buarcos, onde as mulheres dos pescadores se encontravam para praticarem as passadeiras vermelhas daquele tempo.
Foi naquela areia que aprendi a andar, naquele mar forte que esbracejei, naqueles penedos que apanhei mexilhões e cortei os pés que a água do mar tudo desinfectava.
Foi ali que fiz grandes partidas de vólei, solteiros contra casados, ou seja, pais contra filhos com excepção do meu, de calças brancas e camisa de linho a apreciar e a fumar.
Lembro-me que do lado dos casados, jogava aparentemente fora do “regulamento” o nosso querido padre Feitor Pinto, porque era mais velho do que os ditos solteiros, justificado por matrimónio com a Igreja.
Foi nesta praia, cheia de botes e lanchas a cheirar alcatrão, que vi as raias penduradas a secar enquanto os homens do mar concertavam as redes.
Foi aqui que fiz tantos amigos, tantos já a caminhar sobre as águas à luz do horizonte, com quem fazíamos números de forças combinadas. Apreciem este momento circense para as miúdas verem, com o Zé, o João, o Dadinho, o Tó Zé, o Cató e o Julinho.
Foi naquele mar que experimentei a piroga por mim desenhada, construída , impermeabilizada e pintada. Virava-se facilmente, mas com um lastro areia no fundo, fui longe até ao pau da maré.
Também me apaixonei todos os verões, na hora da despedida ficava a promessa de muitas cartas que se espaçavam no tempo, até caírem no esquecimento do Outono das folhas mortas.
A história de um pinga-amor tão interiorizado que só ele sentia os batimentos do coração,porque elas, nem suspeitavam. E, em boa verdade, as cartas eram de amizade, e tão só.
As minhas manas Dadinha Maria Eduarda Barreto e Dadão Dadão Amaral eram duas gotas de água que só eu e a mamã distinguiam. O papá teve por confusão algumas gaffes hilariantes, mas a um intelectual sempre nas nuvens, tudo se desculpava.
A mamã era linda e aqui está em pose com óculos à la Gina Lollobrigida.
Este ano ainda temos que ir a Buarcos que já não tem a casa do barco salva-vidas na praia, as raias não secam ao sol, a pesca de arrasto manhã cedo com toda a gente a puxar, deve ser ilegal, a lota na areia acabou, a casa da Maria Jarra foi vendida e o Largo da Má língua já não tem as mesmas cronistas sociais. Estão em casa a ver a mesma coisa, mas sem cheiro a sardinha. Mas às vezes com peixeiradas!!!

Texto de foto publicados na página de Facebook do autor

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