A criação de novos produtos alimentares, utilizando técnicas ancestrais de secagem e defumação de raia e polvo, aliadas à inovação e investigação científica, é o objetivo de um projeto da Universidade de Coimbra (UC) em curso em Cascais e na Ericeira.
Em declarações à agência Lusa, Tiago Verdelhos, investigador do laboratório Marefoz do polo MARE da UC, explicou que o projeto “É Seco ou Fumado?” visa a “valorização de produtos” na zona de Cascais e Ericeira, no distrito de Lisboa, “sempre na perspetiva da sustentabilidade”.
“Estamos a fazer estudos sobre a pesca local focados na raia e no polvo, produtos bastante importantes e emblemáticos daquela região. Vamos tentar inovar a partir da recuperação de técnicas ancestrais que caíram um bocadinho em desuso, como a secagem e a defumação”, indicou.
O projeto, que integra o programa de economia azul UCMar e é financiado por fundos europeus do Mar2020, através da A2S – Associação para o Desenvolvimento Sustentável da Região Saloia – localizada em Mafra, pretende desenvolver produtos de valor acrescentado a partir de espécies fundamentais do pescado tradicional da região saloia (raia, polvo e ovas de polvo), através da transformação, por secagem e defumação, promovendo a sua valorização enquanto produto alimentar diferenciado, lê-se na explicação da iniciativa.
Desenvolve-se em várias fases, desde a monitorização da diversidade e quantidade de capturas das espécies, passando pela determinação das metodologias mais adequadas ao processamento do pescado, avaliação da qualidade do produto fresco, seco e fumado e, por fim, divulgação e promoção dos produtos finais.
O investigador do UCMar notou que, “hoje em dia, para quem não conhece, até se pode falar em inovação” na utilização da secagem e defumação de pescado.
“São coisas que já se usaram, nuns sítios ainda se usam, mas sem serem muito conhecidos, noutros locais caíram completamente em desuso e podem ser uma estratégia interessante para valorizar os produtos”, frisou Tiago Verdelhos, investigador especialista em sistemas costeiros e oceano.
No caso da raia, adiantou, na costa da Ericeira sempre foi um peixe abundante, aproveitado para a alimentação familiar e conservado para ser consumido em alturas de escassez. Depois de amanhada e lavada, a raia é passada por salmoura e depois seca ao sol, à porta das casas, em estendais, como se fosse roupa a secar.
Uma tradição gastronómica local, observou Tiago Verdelhos, que, no entanto, é desconhecida do grande público: “Estamos a pegar na raia, que se calhar não é o produto mais atrativo para o público, e, fazendo estes produtos baseados nestas técnicas, já estamos a entrar num público um bocadinho diferente. O ‘feedback’ que estamos a receber, por um lado, é o de que as pessoas não conhecem [a técnica], a maior parte desconhece completamente, algumas até desconhecem que se podia fazer”.
No polvo, a equipa de investigação da UC apresentou polvo fumado num evento realizado recentemente: “O público era um público científico ligado à área do mar e a maior parte das pessoas desconhecia completamente uma coisa destas e a verdade é que gostaram”.
Tiago Verdelhos disse ainda que, em laboratório, são realizadas as componentes do projeto relacionadas com a sustentabilidade e propriedades do pescado, por exemplo, o estudo das qualidades e características do produto, como as diferenças entre o polvo fresco e o polvo fumado.
De seguida, com o apoio de uma empresa especializada, são realizados processos de testes de secagem e defumação, antes da apresentação dos produtos finais, “que podem dar novas soluções a atores locais, pescadores e comerciantes”.
O projeto “É Seco ou Fumado?” inclui a colaboração com a empresa Fumeiro do Mar, localizada na incubadora de empresas da Figueira da Foz (onde também está instalado o laboratório Marefoz) e tem ainda como parceiros, para além da A2S, a Câmara Municipal de Cascais, a Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril e a Universidade Aberta.