A Assembleia da República inicia quarta-feira o oitavo processo de revisão constitucional quase 20 anos depois da anterior mudança e mais de dez após a última grande tentativa de a alterar, falhada devido à dissolução do parlamento.
No ano passado, o parlamento constituiu uma comissão eventual de revisão constitucional para debater um único projeto do Chega – nenhuma bancada o acompanhou -, mas as 17 alterações propostas foram ‘chumbadas’, num processo muito rápido.
Desta vez, foi também o Chega a desencadear a revisão com uma iniciativa admitida em 12 de outubro, mas apresentaram projetos os oito partidos com assento parlamentar, embora quase todos tenham criticado o ‘timing’ do partido liderado por André Ventura.
A comissão eventual para a revisão constitucional tomará posse na quarta-feira e, a partir daí, começará o processo de discussão e votação das muitas alterações propostas pelas várias bancadas e deputados.
No entanto, qualquer alteração implica a aprovação de uma maioria de dois terços, o que, na atual composição parlamentar, implica o voto favorável de PS e PSD, tornando difícil saber, à partida, se este oitavo processo de revisão constitucional vai ser bem-sucedido e qual a sua dimensão.
A Lusa comparou os projetos dos dois maiores partidos, e quer PS quer PSD tentam responder – com formulações semelhantes, mas não iguais – às duas questões que o Presidente da República apontou como essenciais num processo de revisão da lei fundamental: como permitir o acesso aos metadados para efeitos de investigação judicial, depois de o Tribunal Constitucional ter ‘chumbado’ a lei em vigor, e como decretar, com segurança jurídica, confinamentos em caso de uma nova pandemia, ainda que sem estado de emergência.
O alargamento do acesso universal, gratuito e obrigatório ao ensino secundário e a modernização de alguma linguagem da lei fundamental são outros pontos semelhantes dos dois projetos.
As semelhanças acabam no artigo 74.º da Constituição, já que o PS não mexe na organização económica, no sistema financeiro e fiscal, nem na organização do poder político ou dos tribunais, várias áreas em que os sociais-democratas pretendem numerosas mudanças, e o secretário-geral do PS, António Costa, já avisou que o partido vai recusar propostas de revisão da Constituição sobre matérias institucionais.
Desde que foi aprovada em 02 de abril de 1976 – com o apoio de todos os partidos à exceção do CDS -, a Constituição da República Portuguesa (CRP) já foi revista sete vezes, e a oitava tentativa, desencadeada em 2010 pelo PSD (então liderado por Pedro Passos Coelho), foi discutida durante meses, mas acabou por não se concretizar devido à dissolução do parlamento, em março de 2011.
A sétima e última revisão constitucional aconteceu em 2005 e foi apenas uma alteração “cirúrgica”, com o aditamento de um único artigo para permitir a realização de um referendo sobre a aprovação de um tratado que vise a construção e o aprofundamento da União Europeia.
Um ano antes, em abril de 2004, tinha-se concluído a sexta revisão constitucional, também uma das menos profundas, e que teve como tema central o aprofundamento das autonomias regionais.
A maioria PSD/CDS-PP e o PS acordaram então matérias como a ampliação e clarificação dos poderes legislativos das Assembleias Regionais dos Açores e da Madeira ou a extinção da figura do ministro da República, e ficou também inscrito na Constituição o princípio da limitação de mandatos políticos executivos e a criação de uma nova entidade reguladora para a comunicação social, em substituição da alta autoridade.
Outra das alterações introduzidas foi a consagração da proibição de qualquer tipo de discriminação em função da orientação sexual dos cidadãos, uma norma que apesar de aprovada por unanimidade motivou a apresentação de uma declaração de voto de mais de 40 deputados do PSD, temendo que o novo princípio abrisse a porta aos casamentos entre pessoas do mesmo sexo, que acabaria por ser aprovado seis anos depois.
Em 2001, realizou-se a quinta revisão constitucional, com caráter extraordinário e que surgiu pela necessidade de adaptar a lei fundamental aos estatutos do Tribunal Penal Internacional, passando a permitir a extradição de cidadãos para países europeus que apliquem a prisão perpétua, interdita em Portugal desde o século XIX.
Contudo, PS e PSD acordaram depois incluir outros pontos na discussão, como a consagração do direito dos agentes das forças de segurança se associarem sindicalmente, com a ressalva de não poderem fazer greve. Por proposta do CDS-PP, ficou também inscrita na CRP a possibilidade das forças policiais efetuarem buscas domiciliárias noturnas.
As duas revisões anteriores, em 1997 e 1992, serviram essencialmente para adaptar a Constituição aos princípios dos Tratados da União Europeia de Maastricht e Amesterdão.
Outras alterações acabaram por ser introduzidas nesses processos, como a possibilidade da criação dos círculos uninominais, o direito de iniciativa legislativa dos cidadãos, o reforço dos poderes legislativos exclusivos da Assembleia da República e a capacidade eleitoral dos cidadãos estrangeiros.
Em 1989 aconteceu a segunda revisão do texto constitucional, que deu maior abertura ao sistema económico, pondo fim ao princípio da irreversibilidade das nacionalizações diretamente efetuadas após o 25 de Abril de 1974.
A I Revisão Constitucional tinha sido sete anos antes, em 1982, quando se procurou diminuir a carga ideológica da Lei Fundamental aprovada ainda na década de 70. A flexibilização do sistema económico e a redefinição das estruturas do poder político, com a extinção do Conselho da Revolução e a criação do Tribunal Constitucional, foram outras das alterações aprovadas.