Pescadores, armadores, associações e sindicatos do sector de todo o país manifestaram-se em Viana do Castelo, revoltados por não terem sido ouvidos no processo de criação de cinco áreas de exploração de energias renováveis no mar.
Cerca de três dezenas de profissionais da pesca encheram uma sala de uma unidade hoteleira da cidade, onde o Governo promoveu hoje uma audiência pública para formulação de sugestões e recolha de contributos para proposta preliminar das áreas situadas ao largo de Viana do Castelo, Leixões, Figueira da Foz, Ericeira-Cascais e Sines.
Em causa está projeto para a criação daquelas cinco áreas de exploração de energias renováveis no mar, cuja consulta pública começou em 30 de janeiro e termina na sexta-feira.
Os representantes dos pescadores acusaram o secretario de Estado do Mar de ter conduzido “extremamente mal” o processo de elaboração da proposta preliminar, criticaram o diretor Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos por “não os terem sido ouvidos”, e garantiram que se o estudo for para a frente tal como está é a morte a morte da pesca.
Conscientes que as energias renováveis no mar vão avançaram, os pescadores apelaram ao diálogo com o setor, a ter voz no planeamento rigoroso do projeto final e serem compensações pelo impacto, negativo que sabem que este a transição energética vai implicar no setor.
Manuel Marques, da Associação de Armadores de Pesca do Norte, foi o primeiro criticar a criação de cinco áreas de exploração de energias renováveis no mar, durante um debate de duas horas sobre as energias renováveis ‘offshore” e a atividade piscatória.
“O que vão fazer a 50% das embarcações de pesca costeira. Falam em indemnizações. Os pescadores não estão à venda. Isto vai ter de ser muito bem falado. O mar não é dos pescadores, mas vamos ter de falar muito porque o impacto económico-social vai ser grande. Não podemos passar a energia por cima da alimentação. Prefiro estar aqui com a barriga cheia e passar frio”, afirmou o responsável.
Manuel Marques garantiu que com a criação das zonas de exploração de energias renováveis no mar, “haverá menos peixe e, o preço vai duplicar”.
Duas horas depois do início do debate, em que participaram entre outros, António Sarmento da WavEC, Bruno Azevedo, da CS Wind e Flávia Lima, da embaixada do Reino Unido em Portugal, Pedro Jorge, da Associação de Armadores de Pesca Industrial, de Aveiro levantou o braço para falar.
Disse estar “cansado” de esperar pelo período de perguntas aberto ao público, disse estar “farto de falinhas mansas” e alertou que o processo com que foram confrontados já em fase de consulta pública “tem de voltar à estaca zero”.
“Esqueceram-se da pesca quando o setor é responsável por dois mil milhões de euros de exportações. Exigimos respeito. Exigimos que o Governo tenha esta atividade em atenção”.
Pedro Jorge afirmou “não ter dúvidas nenhumas” que a transição energética tem de avançar, é um desígnio nacional, mas não pode ser a qualquer preço”.
“É possível fazer as coisas bem feitas. Temos de ter em consideração as atividades que se desenvolvem no espaço marítimo e, a pesca é o maior utilizador. Para conciliar, compatibilizar e minimizar impactos. Nada disso foi tido em consideração”, afirmou.
Nuno Teixeira, do Sindicato dos Trabalhadores da Pesca do Norte, garantiu que se nada mudar a luta sai do setor para as ruas.
“O mar não é nosso, mas vai deixar de ser Portugal quando se fala de multinacionais estrangeiros que vem usar os nossos recursos. Dentro de uns anos, com o vosso discurso romantizado, vamos ver quem tem razão. Parece que estão a vender a banha da cobra.
Depois das intervenções mais acaloradas, o diretor Geral de Recursos Naturais, José Simão, Segurança e Serviços Marítimos, explicou que o relatório final só vai ser entregue em maio e, que até lá, vai “começar o diálogo” com o setor das pescas e com outros agentes, que nesta fase não foram ouvidos.
“A pesca não está esquecida. Vamos ouvir todos os contributos para melhorar a proposta”.
Também a secretária de Estado da Energia e Clima, Ana Fontoura Gouveia, serenou os pescadores, garantindo que “o processo não está, de todo, no final, mas antes no início”.
“O plano de afetação das áreas especializadas não está fechado. Estamos no início. No momento de ajustar as áreas e de ter estas discussões. O relatório final só estará terminado em junho”, disse.
A governante acrescentou que a fase seguinte, na dos leilões, não vão ser lançados, de uma vez, os 10 gigawatts que o Governo estabeleceu como meta a atingir em 2030.
“Os leilões vão ser faseados. O grupo de trabalho que foi criado para este processo está a analisar as opções para o modelo de leilão”, sustentou.
“Temos muito trabalho conjunto para fazer convosco de diálogo, transparência e partilha de informação. Com tudo bem organizado chegamos a bom porto”, disse Ana Fontoura Gouveia.
No final, aos jornalistas, o secretário de Estado do Mar, José Maria Costa, que explicou a iniciativa governamental com uma forma “interação com os diversos agentes” e afirmou que “em qualquer exercício de planeamento a concertação é fundamental”.
“O que estamos a fazer é a iniciar é uma concertação mais alargada com todos os setores que tenham a ver com o uso do mar”, sublinhou.