Diz-me como era uma aldeia portuguesa antes do 25 de abril de 1974! – Texto de Opinião – Maria Isabel de Sousa

1788
Texto de Opinião

Maria Isabel Sousa

 

Passaram-se 49 anos da revolução contemporânea mais marcante da História de Portugal. 

Quando se comemora esta efeméride e os alunos ficam em casa nesse dia, não fazem ideia das transformações que se operaram na vida de todos os portugueses, desde aquele dia. Por muito que as escolas tentem explicar o que aconteceu nesse dia e da revolução (transformação) política, económica, social cultural, etc. que se operou pós esse marco histórico, existe uma dificuldade em compreender essa época, que afinal não está assim tão longe no tempo. 

Meio século foi o suficiente para mudar tudo neste pequeno país à beira do Atlântico. 

Se um dos nossos jovens entrasse numa cápsula do tempo, rumo a uma (qualquer) aldeia portuguesa da década de 70 do século passado, ficaria num misto entre o incrédulo e o espantado. 

A parte substancial da população portuguesa vivia em aldeias com habitações pequenas, escuras e dispersas, onde não havia, muitas vezes, saneamento básico, água canalizada, luz elétrica ou, até mesmo, uma casa de banho. Eram habitações construídas com os parcos recursos que advinham do trabalho nas pequenas terras cultivadas ao lado de casa, da criação de animais e dos ordenados provenientes do trabalho em pequenas fábricas locais. As crianças iam à escola, mas começavam a abandonar os estudos mal concluíam a antiga quarta classe (4.º ano), o 5.º, 6.º ano. Poucos se aventuravam, por mais anos, pela frequência da escola. Só ao mais abastados se dirigiam para as escolas comerciais, industriais e (ainda mais raramente) os liceus. Estes recebiam a elite das elites, todos aqueles que tinham expectativa de ingressar em cursos superiores. Quando se chegava a este nível, já só sobrava uma pequena franja dos jovens da época, sendo a percentagem de raparigas muito residual. A maioria já se encontrava a trabalhar. A ida para a escola era feita, geralmente, a pé, ou, quando estudavam na cidade, de autocarro ou de comboio. Chegados à cidade, o percurso desde a paragem do transporte público até à escola era feito a pé, sob o efeito das intempéries, que os faziam passar muitas horas do dia com as roupas molhadas junto ao corpo. Não existiam pais, com os seus próprios veículos, à porta da escola, para trazer ou buscar os seus filhos.

O aspeto das pessoas nesse Portugal longínquo era de uma certa fragilidade física, poucos eram os obesos, uma vez que o acesso à alimentação era muito restrito e pouco variado. Comiam o que plantavam na sua horta. Comia-se sopas, frutas e pão. A carne e o peixe eram consumidos em quantidades ínfimas e resultantes, muitas vezes, da criação de animais ou da pesca. As crianças desenvolviam-se mais tardiamente e a sua aprendizagem talvez ficasse comprometida devido a este “racionamento”. Algum alimento diferente adquiria-se na mercearia da aldeia, que, por vezes, era também moagem, taberna ou venda de adubos e rações. A bebida mais excêntrica era a gasosa (algo semelhante a uma sprite) e a maioria bebia café de cevada e vinho. As sopas de “cavalo cansado” (vinho, pão e açúcar) era o pequeno-almoço para muitos (adultos e crianças). Não se comia nestum, nem iogurtes, nem fiambre… Como não havia água canalizada, ia-se buscar água à fonte para todas as necessidades domésticas, à exceção da lavagem da roupa, que era feita na fonte ou nos lavadouros públicos. Estava muito longe a generalização das máquinas de lavar roupa e de outros aparelhos domésticos que hoje fazem parte do nosso quotidiano. A vida era difícil, muito difícil. Os invernos eram húmidos e frios, passados em casas feitas de materiais frágeis. Quando muito existia uma lareira, onde se cozinhava e aquecia a casa.

As roupas dos adultos eram tristes e escuras. As mulheres usavam lenço na cabeça, o seu guarda-roupa era pouco variado. As costureiras e as feiras serviam as necessidades básicas de indumentária, mas também de louças, roupa de cama, alfaias agrícolas, móveis e os demais utensílios. Eram raras as famílias que tinham um automóvel. Os táxis (carros de praça) eram fretados em ocasiões muitíssimo especiais. Era impensável existir mais do que um carro por família. As pessoas ficavam em permanência na sua terra, não viajavam. Não conheciam bem a cidade vizinha, quanto mais outras cidades e sítios de Portugal ou de além-fronteiras. Quase todos desconheciam a capital, nunca lá tinham ido, por motivo nenhum.

As crianças não tinham atividades extracurriculares. No máximo, frequentavam as associações recreativas da terra, onde aprendiam música ou teatro. A igreja era, igualmente, um lugar de sociabilidade nestas terras pequenas. A ida ao cinema era uma experiência que poucos tinham tido. Ouvir dizes a um jovem, nessa altura, que tinha ido a uma sala de cinema na cidade, era de espantar. Muitos filmes americanos só chegaram a Portugal após o 25 de abril. O Estado Nove não queria divulgar no país a sociedade completamente pecaminosa (diga-se mais livre) dos EUA.

Em cada casa pendia a tristeza de lhe faltar um ou mais elementos masculinos, que se encontravam longe, a combater numa guerra que eles não concordavam. Pela defesa das colónias portuguesas, eram obrigados a partir, a lutar, a matar e a morrer, por ordem de Salazar: “Para Angola, rapidamente e em força”. Quantos morreram e deixaram de luto mães, pais, irmãos, noivas, mulheres,,,

Os mais aventureiros tiveram a coragem de fugir deste país rural e atrasado para outros países da Europa, que nesta altura necessitavam de muita mão de obra e onde os salários eram muito melhores. A fuga para a Europa tinha como justificação base a situação económica e social do país, mas também era uma resposta política e uma fuga ao recrutamento para a guerra colonial. A chegada de receitas vindas dessas paragens pelos emigrantes, começou a ter um impacto de relevo na nossa economia, mas também na forma de viver de alguns familiares que por cá ficaram. Iniciava-se a construção de casas maiores, mais planificadas, com casas de banho e, mais tarde, com saneamento básico e água canalizada. Mais tarde, quando estes regressavam as suas terras, traziam uma nova visão do mundo, novas modas e hábitos, que foram contagiando os portugueses e alterando a sua forma de viver.

Com o 25 de abril de 1974, a vinda dos portugueses repatriados das ex-colónias, com a sua mente mais aberta e hábitos mais livres e modernos de viver, teve um papel importantíssimo na mudança do estilo de vida dos portuguese.

Tantas diferenças em relação à atualidade. A revolução do 25 de Abril de 1974, não tendo sido o elixir para todos os males, foi uma porta para a modernização e desenvolvimento económico do país. À parte da corrupção crónica de que padece o nosso país até à atualidade, mau grado os baixos salários em relação à Europa Comunitária, sendo os preços iguais ao resto desses países, mesmo assim a vida mudou. A mentalidade alterou-se no nosso país. A democratização do ensino foi uma arma contra a ignorância e o longo atraso em que se vivia. As pessoas hoje viajam, conhecem o mundo, quanto mais não seja pelo que veem nos meios de comunicação e no cinema, leem livros, jornais e revistas, frequentam museus, salas de espetáculos, vestem-se como qualquer outra pessoa do mundo ocidental. 

Hoje, não há diferença substancial entre uma criança que nasce numa aldeia e outra que nasce na cidade. Existe uma uniformização de gostos, comportamentos e oportunidade.

Portanto, qualquer jovem que fosse fazer essa viagem retrospetiva de 50 anos, não compreenderia as limitações, entropias e constrangimentos em que viviam os jovens que tinham a sua idade nesse Portugal pré-25 de abril de 1974.

 

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