Texto de Opinião
Ricardo Costa Santos
Algoritmos no século XXI
Considerando aquilo que é a severidade metereológica, os dados, os algoritmos os dados, os algoritmos e as contas feitas, indicam que a área ardida que deveríamos ter devia ser 30% superior; ou seja, ardeu 70% daquilo que era suposto arder…
A expressão mais interessante da última semana foi proferida por Patrícia Gaspar. Procurando relativizar os agora mais de 100000 hectares de área ardida em Portugal em 2022, a secretária de estado Secretária de Estado da Proteção Civil justificou com algoritmos e contas porque é que a maior área desde 2017 era, afinal de contas, um sinal de boa capacidade de resposta do sistema. Não é meu objetivo comentar a nossa capacidade de resposta aos incêndios. De igual modo, não pretendo troçar das auto-evidentemente infelizes declarações de uma figura sobre quem recaiu a batata quente de prestar contas ao país num momento difícil. Antes, quero falar de algoritmos.
Informalmente, podemos pensar nestes algoritmos de que tanto se fala como pensamos em receitas culinárias: partimos de um conjunto de ingredientes, seguimos as instruções e, fazendo tudo certinho, obtemos um delicioso prato. No contexto de métodos de previsão, um algoritmo recebe dados, realiza operações partindo desses dados que lhe foram fornecidos e, numa situação ideal, exporta um modelo capaz de utilizar o passado para prever o futuro. No fundo, algoritmos criam modelos que são depois utilizados por nós, humanos, para múltiplas aplicações.
Modelos criados através destes algoritmos trazem comodidade e benefícios à nossa vida quotidiana: desde o modo como são decididas as recomendações que recebemos da Amazon, Spotify e Netflix (entre outras) até à forma como decisões empresariais podem ser influenciadas ou automatizadas. Governos por todo o mundo recorrem a algoritmos complexos para criar projeções para o PIB, para o desemprego e, como descobrimos esta semana, até para a área ardida. Da mesma forma que qualquer boa receita culinária necessita de bons ingredientes, a qualidade de um modelo depende da qualidade e quantidade de dados que lhe são fornecidos. Na era digital, a nossa capacidade de recolher dados atingiu proporções sem precedentes e não demonstra qualquer tendência de abrandamento.
Com o atual estado da arte, conversas sobre a possibilidade de inteligência artificial geral e todos os dilemas morais e éticos que a ela subjazem deixaram de estar limitadas a filmes de ficção científica. Especialmente na última década, grandes quantidades de dados e algoritmos crescentemente poderosos têm gerado modelos com performances sobre-humanas em diferentes tarefas e dos quais estamos crescemente dependentes enquanto espécie. Entre os grandes desafios deste século XXI está, precisamente, ter a consciência de que estes modelos de que tanto dependemos e crescentemente continuaremos a depender não são perfeitos e de que falham, por vezes com consequências catastróficas.
²https://www.pordata.pt/Portugal/Inc%c3%aandios+rurais+e+%c3%a1rea+ardida+%e2%80%93+Continente-1192
³https://www.economist.com/leaders/2010/02/25/the-data-deluge