NO DIA 20 DE SETEMBRO DE 2022 A FIGUEIRA DA FOZ CELEBRA 140 ANOS DE CIDADE
No final do século XVIII a Figueira cresceu para Norte e para Nascente dos aglomerados existentes entre as praias da Reboleira, da Ribeira e da Fonte, e a aglutinação de vários casais que se chamavam o Paço, a Abadia, o Monte, o Vale, as Lamas, a Várzea e a Lomba deu origem a uma só povoação, com aproximadamente 2500 habitantes e 1000 fogos, a qual por decreto de 12 de março de 1771, e carta régia de 10 de abril, foi elevada à categoria de vila com o nome de “Figueira da Foz do Mondego”.
A mudança da Câmara de Tavarede para a Figueira terá ocorrido em 1771, ano em que foi elevada à categoria de vila e foi criado o distrito do Juiz de Fora.
O primeiro alcaide da vila da Figueira foi Severiano dos Reis e o seu primeiro Juiz de Fora foi o Dr. José Bento da Silva, confirmados em carta de 30 de julho de 1771.
Quando a Figueira foi elevada à categoria de vila era já intensa a exploração de carvão no Cabo Mondego, cujas jazidas tinham sido descobertas em 1750, havia as pescas e a exploração do sal, mas o porto da Figueira, também denominado “porto de Buarcos”, era a sua maior riqueza, possuindo estaleiros de construção naval desde o século XVII.
Em 1779 quase todas as ruas estavam calcetadas e o Juiz de Fora dizia numa petição dirigida à rainha D. Maria I que a vila já se podia considerar uma das mais notáveis que Sua Majestade tinha no seu reino.
Poucos anos depois foram construídas duas praças, a Praça da Ribeira (Praça Velha) em 1784 e a Praça Nova (da Reboleira) em 1789, havendo ainda dois largos na vila, o Pátio de Stº António e o Adro da Igreja Matriz.
Mas em 1858 a praia da Figueira já era considerada a melhor do país, “a mais linda praia de banhos de Portugal”, e, em 1876, Ramalho Ortigão, no seu livro “As Praias de Portugal”, descrevia-nos assim a vila da Figueira:
“A povoação é rica pelo comércio do sal e pela exportação dos vinhos da Bairrada.
Uma companhia edificadora tem construído casas agradáveis, em um bairro novo junto à foz do Mondego, em sítio elevado e sadio. Neste bairro há um hotel, Foz do Mondego, onde se recebem hóspedes a 1$000 reis por dia”.
“A vila tem ainda mais dois hotéis, o Figueirense e o da Praça Nova, um pequeno teatro, uma praça de touros e dois clubes: a Assembleia Recreativa, no bairro novo, onde se dança às terças e sextas-feiras, e a Assembleia Figueirense, no antigo palácio dos condes da Figueira, onde se dança à quinta-feira e ao domingo”.
Esta vila cresceu muito rapidamente e, 111 anos depois, em 20 de setembro de 1882, ascendeu à categoria de cidade, com a denominação de “Figueira da Foz”, “attendendo a que a Villa da Figueira da Foz, no districto de Coimbra, é actualmente uma das mais importantes do reino pela sua população e riqueza”.
Em 1882, o Presidente da Câmara Municipal era o advogado Dr. Francisco Lopes Guimarães, sendo vereadores Manuel Gaspar de Carvalho, António Augusto Cruz, José Assalino de Brito, António da Costa Borges, António Pinto dos Santos e José Henrique da Fonseca.
O Dr. Francisco Lopes Guimarães, nascido no Casal da Fonte, no então concelho de Lavos, era um jovem presidente com apenas 36 anos de idade. Foi presidente da Câmara da Figueira de 1880 a 1883 e de 1887 a1889, chefiou o Partido Progressista local, foi um brilhante advogado durante mais de 50 anos e, sobretudo, um político inteligente, prestigiado e influente.
Foi por decreto de 20 de setembro de 1882, assinado por Thomaz António Ribeiro Ferreira, Ministro do Reino do Governo do Partido Regenerador de Fontes Pereira de Melo, que a vila da Figueira foi elevada à categoria de cidade, o que se tornou público no Diário do Governo nº 215 de 23 de setembro.
Neste mesmo dia 23 de setembro de 1882, sábado, recebeu o Dr. Francisco Lopes Guimarães um telegrama, que lhe foi dirigido pelo Excelentíssimo Ministro do Reino, com o seguinte teor:
“Presidente da Camara da Figueira da Foz – Felicito a Cidade da Figueira da Foz a cujo município V. Ex.ª preside – Ministro do Reino.”
Este telegrama foi apresentado pelo Dr. Francisco Lopes Guimarães em reunião de Câmara de 4 de outubro de 1882, constando da respetiva ata:
“E pelo mesmo Presidente foi lido a resposta que deu ao supracitado telegrama, que se acha copiada no Copiador nº 19 a folha 269, e é do theor seguinte: Exmo. Ministro do Reino – A Camara da Figueira da Foz, interpretando os sentimentos dos seus munícipes, agradece a Sua Magestade, e ao seu Governo, a subida honra que acaba de receber esta villa pela sua elevação à cathegoria de Cidade – Figueira, 23 de Setembro de 1882 – O Presidente Francisco Lopes Guimarães.”
Foi então deliberado: “A Camara ficou inteirada e approvou a resposta dada pelo senhor Presidente.”
Na referida reunião de Câmara de 4 de outubro de 1882 foi ainda presente um ofício do Governador Civil do Distrito, expedido com data de 25 de setembro, com o seguinte conteúdo:
“Ponderando que havendo esta villa sido elevada, por Decreto de 20 mesmo mês à cathegoria de cidade com a denominação de «cidade da Figueira da Foz», acaba V. Ex.ª de ser encarregado pelo Exmo. Ministro do Reino de assim o comunicar a esta Camara, lembrando ao mesmo tempo que, na conformidade da lei deve pela Secretaria d’Estado dos Negocios do Reino ser solicitado o competente diploma…”.
E “a Câmara, ficando inteirada, deliberou de responder que tendo já agradecido a Sua Magestade e ao seu Governo, a subida honra que acaba de receber estra villa, providenciaria acerca da solicitação do dito diploma.”
Ainda nesta mesma reunião de Câmara de 4 de outubro de 1882 foi presente uma carta da “Comissão dos festejos em homenagem pela elevação da Figueira da Foz à categoria de Cidade, datada de 23 de Setembro último, convidando a Camara para assistir à récita de galla que teve logar no dito dia, no Theatro Principe D. Carlos.”
“Deu o senhor Presidente parte que não tendo tido tempo de fazer as convocações aos senhores Vereadores, tinha ido ahi representar a Camara e officialmente agradecer àquella Comissão o convite”.
“A Camara approvou o procedimento do senhor Presidente”, como consta da mesma ata.
De facto, a Figueira desenvolvera-se intensamente e o comércio de exportação de vinhos para o Brasil e para França, de sal para a Terra Nova, de madeira para o Sul de Espanha e de laranja para Inglaterra permitiu a acumulação de capitais.
O fluxo turístico aumentava e muitos investimentos foram feitos na área da hotelaria e dos espetáculos. A Figueira da Foz desenvolvera-se como nunca, com fortes reflexos sociais, urbanísticos, turísticos, comerciais e industriais.
A vida balnear ganhava importância, os turistas no Verão eram muitos e como a zona edificada estava distante da praia, começou-se a construir em 1869 o Bairro Novo de Santa Catarina, a poente da Praia da Fonte.
Contribuíram sucessivamente para a elevação da Figueira a cidade as suas atividades comerciais, turísticas, industriais, sociais, culturais e recreativas, e a construção de muitas infraestruturas básicas, tais como:
A indústria do carvão iniciada em 1750, a requalificação portuária desde finais do século XVIII, a construção da Praça Velha em 1777 e da Praça Nova em 1789, a fundação do Teatro do Paço em 1820 e do Grémio Lusitano em 1823, a constituição da Associação Comercial e Industrial em 1835 e da Assembleia Figueirense em 1839, a fundação da Sociedade Filarmónica Figueirense em 1842, a inauguração do Hospital em 1844, o início da indústria do vidro em 1855, a formação do Teatro do Pinhal em 1863 e do Teatro Natalense em 1864, a iniciação da indústria da cerâmica em 1869, a construção do Farol em 1858, o início da construção do Bairro Novo de Santa Catarina em 1869, a fundação da Assembleia Recreativa em 1869, a iluminação pública a petróleo em 1870, a construção da estrada para Coimbra em 1871, a inauguração do Teatro Príncipe D. Carlos em 1874, um novo transporte do Cabo Mondego à Figueira, o denominado Americano, em 1875, a estrada para Leiria em 1875, a indústria metalúrgica Mota de Quadros em 1878, a constituição da Sociedade Filarmónica 10 de agosto em 1880 e do Grémio Lusitano em 1882, a formação dos Bombeiros Voluntários em 1882 e a ligação da Figueira por comboio à linha do Norte e à linha da Beira Alta, com ligação a Espanha, em1882.
Referia o decreto de 20 de setembro de 1882:
“Attendendo a que a Villa da Figueira da Foz, no districto de Coimbra, é actualmente uma das mais importantes do reino pela sua população e riqueza; e desejando por ocasião da minha recente visita áquella villa, dar aos habitantes d’ella um solemne testemunho de apreço pelos honrados esforços que têem empregado para o seu progressivo desenvolvimento: hei por bem fazer mercê á dita villa da Figueira da Foz de a elevar á categoria de cidade com a denominação de Cidade da Figueira da Foz; e me apraz que n’esta qualidade gose de todas as prerrogativas, liberdades e franquias que directamente lhe pertencerem, devendo expedir-se á respectiva camara Municipal a competente carta, em dois exemplares, uma para titulo d’aquella corporação e outra para ser depositada no real Archivo da Torre do Tombo. O ministro e secretario d’estado dos negócios do reino assim o tenha entendido e faça executar. Paço, em 20 de setembro de 1882”.
De facto, a 3 de agosto de 1882, 48 dias antes da elevação a cidade, o rei D. Luís I, a rainha D. Maria Pia de Saboia, o príncipe D. Carlos, o infante D. Afonso e vários ministros, tinham visitado a Figueira da Foz para inaugurar a linha férrea da Beira Alta.
Acompanhando o rei, seguiam altas figuras do governo e do Partido Regenerador, como Fontes Pereira de Melo (Presidente do Conselho de Ministros), António de Serpa (ministro dos Negócios Estrangeiros e simultaneamente diretor da CCFBA), Tomás Ribeiro (Reino) e Hintze Ribeiro (Obras Públicas). Fechavam o grupo algumas personalidades próximas da família real, membros das elites sociais lisboetas, representantes da CRCFP e alguns militares.
E foi esta visita que despoletou a elevação da Figueira à categoria de cidade, como se infere do decreto de 20 de setembro de 1882:
“ …. e desejando por ocasião da minha recente visita áquella villa dar aos habitantes d’ella um solemne testemunho de apreço pelos honrados esforços que têem empregado para o seu progressivo desenvolvimento: hei por bem fazer mercê á dita villa da Figueira da Foz de a elevar á categoria de cidade…”.
Na Figueira de 1882 residiam menos de 6000 habitantes (no ano de 1878 a Figueira tinha 1080 fogos e 5676 habitantes e Buarcos tinha 800 fogos e 3182 habitantes), aos olhos de hoje uma pequena cidade, como bem mostram as fotos da época.
Quatro meses depois, em janeiro de 1883, na revista O Ocidente escrevia-se:
“A Figueira é das povoações de Portugal que nos últimos tempos mais se tem desenvolvido (…). Ainda nos princípios deste século passado era apenas uma aldeia com 300 habitantes e pouco mais desenvolvimento tinha, quando em 1771 El-Rei D. José a elevou à categoria de vila. (…) Hoje, a Figueira é uma cidade que está crescendo a olhos vistos, organizando companhias edificadoras que têm aumentado consideravelmente o número de edificações, ascendendo já a não menos de 1600 fogos, com cerca de 6000 habitantes. Possui edifícios notáveis, incluindo um magnífico teatro e seu porto está defendido por uma doca de construção recente (…). O seu aspecto é alegre e festivo e de um delicioso pitoresco, a par do seu belo clima. Este conjunto de atractivos, chama um grande número de banhistas, na estação própria, às suas magníficas praias. O seu comércio é importante, para o que lhe basta ter um magnífico porto de mar por onde se exporta grande quantidade de sal, azeite, vinhos e cereais, etc.
Agora o caminho-de-ferro da Beira Alta vai dar-lhe mais elementos de vida e desenvolvimento assegurando um futuro próspero a esta boa terra.”
Por esta altura, a Figueira ainda não tinha iluminação pública, rede de esgotos e abastecimento de água ao domicílio, sendo abastecida de água a partir de fontes, poços, fontanários e por pequenas nascentes existentes na Mata do Convento de Santo António e no Casal da Rata.
Mas, com a elevação da Figueira a cidade, o seu desenvolvimento foi ainda maior e, dois anos depois, em 1884, ocorreu a inauguração do Teatro-Circo Saraiva de Carvalho com a maior sala de espetáculos do país.
Constituiu-se a primeira empresa armadora em 1885, a adjudicação do abastecimento de água em 1886, a fundação do Grémio Recreativo em 1888, a chegada da linha férrea do Oeste em 1888, a criação da Aula de Desenho Industrial em 1888, a Escola Industrial em 1889, a iluminação a gás e o abastecimento domiciliário de água em 1889, a inauguração do Casino Mondego em 1890, as Oficinas do Mondego em 1891, o Jardim Municipal em 1891, o Mercado Municipal em 1892, a constituição da Associação Naval 1.º de Maio em 1893, o Teatro Garret em 1893, o Museu Municipal em 1894, a fundação do Ginásio em 1895, o Coliseu e o Casino Peninsular em 1895, a primeira seca de bacalhau em 1896, os modernos Paços do Concelho e o quartel da Artilharia 2 em 1897, o Hotel Lisbonense e o Casino Oceano em 1898, o Hotel Universal em 1904, a grandiosa ponte Eiffel em 1907, o Teatro Caras Direitas e o Teatro Parque Cine em 1907, o Salão Lisbonense em 1908, o Teatro Trindade em 1910, a Biblioteca Municipal em 1910, o Ténis Club em 1917, o Sporting Clube Figueirense em 1918, o Quartel de Infantaria 20 em 1920, o Palácio Soto Maior em 1922 e o Liceu em 1932.
De 1882 a 1932 foram 50 anos de intenso crescimento que alavancaram a Figueira para a cidade importante e prestigiada que é hoje.
Publicado na edição de Setembro de 2022 da Revista FOZ