Publicado na edição de setembro de 2022 da Revista FOZ por Ricardo Santos
Se há um caminho de construção humana que percorreu os últimos 140 anos, atravessando convulsões políticas com inaudita capacidade de sobrevivência, foi, sem dúvida, o associativismo. A antropologia explicará objetivamente as causas e consequências desta longevidade. Todavia, bastará pensar que os pilares do edifício associativo emergem da iniciativa livre e voluntária para perceber que o cimento agregador é fruto orgânico da própria sociedade civil.
Sem olvidar as primitivas instituições para a ação coletiva pré-modernas, o associativismo – como hoje o conhecemos – deve muito à ação do «patriarca da liberdade» Manuel Fernandes Tomás e à Revolução de 1820. O quadro político, económico, social e cultural instituído pela monarquia liberal revelar-se-á claramente favorável à emergência do associativismo popular.
Na Figueira da Foz o apelo à associação promove a fundação de diversas instituições, ainda na primeira metade do séc. XIX. Desde logo, no campo do fomento económico, a Associação Comercial e Industrial da Figueira da Foz fundada em 1835 ou, no domínio dos socorros mútuos, a Santa Casa da Misericórdia, criada em 1839. As elites endinheiradas apostam em sociedades patrióticas: a Assembleia Figueirense (1839) é um bom exemplo.
Em paralelo, as filarmónicas têm um papel central na construção do movimento associativo e na Figueira da Foz encontram terreno fértil para a sua expansão. A primeira sociedade a dedicar-se à promoção do estudo da música é precisamente a Sociedade Filarmónica Figueirense, com atividade ininterrupta desde 1842. Em 1848, nasce a atual União Filarmónica Maiorquense. A Sociedade Boa União Alhadense, surge em 1854, a Sociedade Filarmónica Paionense em 1858 e a Sociedade Filarmónica Quiaense existe pelo menos desde 1869. Já a Filarmónica 10 d’Agosto de 1880, por referência ao início dos trabalhos do caminho de ferro da Figueira, é fruto da disputa político-partidária entre progressistas e regeneradores. Todas estas sociedades associavam a música à beneficência, assumindo claramente lógicas de solidariedade social em caso de pobreza ou doença.
Em 1882 a Figueira da Foz já era assim servida por várias associações de referência. O ano não terminará, contudo, sem a fundação de uma nova e relevante instituição: a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários da Figueira da Foz.
Até ao último suspiro da monarquia, a ideologia republicana propagar-se-á também sob a forma de associações de cultura e recreio, de socorros mútuos ou cooperativas, concorrendo para a sua proliferação. A Troupe Recreativa Brenhense (1896), a Sociedade de Instrução Tavaredense (1904) ou o Grupo Caras Direitas (1907) são boas referências, associando a instrução ao teatro de amadores.
A Primeira República não traz mudanças significativas no dia-a-dia de miséria da maioria da população. Serão as coletividades, que se propagam pelas aldeias e vilas do país, que irão dar resposta às necessidades culturais e de instrução. Finda a Primeira Grande Guerra recrudesce uma nova urgência de viver em e com a comunidade. A Figueira assiste a um verdadeiro boom associativo. Datam deste período, entre outras, o Sport Clube de Lavos (1920), o Grupo Instrução e Sport (1920), o Grupo Recreativo Vilaverdense (1921), o Grupo Musical Carritense (1921), o Ateneu Alhadense (1924), a Sociedade Instrução e Recreio de Lares (1926) ou a Sociedade Musical do Alqueidão (1927).
Surgem também associações dedicadas ao desporto e, em particular, ao futebol. O Quiaios Clube (1921) e a União Foot-Ball Buarcos (1921), por exemplo, são organizadas por adeptos da modalidade. A Figueira, contudo, já tinha tradição desportiva: a Associação Naval 1.º de Maio é fundada em 1893 e o Club Gymnastico Velocipédico Figueirense, atual Ginásio Clube Figueirense, em 1895.
O Estado Novo, fruto da ideologia fascista, revela-se hostil ao associativismo livre e resfria o aparecimento de novas associações. Será a inabalável democracia interna e a capacidade de gerar alternativas culturais e sociais que torna as coletividades importantes polos de resistência e democracia.
Ainda antes do 25 de abril, surgem as Casas do Povo como resultado da publicação das normas de cooperação médico-sociais, que reorganizavam os serviços do então Ministério da Saúde e da Assistência. A Casa do Povo do Alqueidão (1972), de Lavos ou de Quiaios (ambas de 1973) são deste período em que era preciso dar resposta às necessidades dos trabalhadores rurais.
Após a Revolução dos Cravos, a consagração constitucional do direito ao repouso e ao lazer, mas também à cultura e ao desporto gera um movimento social determinante para o crescimento e desenvolvimento das associações de cultura, recreio e desporto em Portugal. Estudos indicam que 90% das atuais coletividades surgiram já depois de 1974.
A Associação das Colectividades do Concelho da Figueira da Foz nasce em 2001, no seguimento da identificação da necessidade da estruturação do movimento associativo.
Concluindo, constata-se que há um claro paralelismo entre os ciclos de proliferação associativa e as transformações políticas no país. A sociedade – talvez o Homem – acomoda-se por natureza. É por isso que sempre que há mudança – sejam elas familiares, profissionais, políticas ou sociais – há uma natural predisposição para a ação transformadora. As ações materializam-se em obra. Muitas delas enraízam-se de tal maneira que se tornam parte intrínseca e indissociável da vivência comunitária. As coletividades são – ainda hoje – um bom exemplo e uma torrente fonte de inspiração para a construção de territórios mais desenvolvidos e melhores cidadãos.

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