Publicado na edição de setembro de 2022 da Revista FOZ

Outra vez os comboios.

Após os vários avisos feitos pelas Associações Empresariais Setoriais, Regionais e Nacionais, suportados em estudos, pareceres de especialistas e na opinião das empresas e dos seus líderes, acerca da importância do transporte ferroviária para a competitividade do país, vem agora a Comissão Europeia (CE) dizer que é necessário que os países tenham a mesma bitola – bitola europeia que é mais estreita que a bitola ibérica. Ora esta posição da Comissão peca por tardia, tendo em conta que desde 2012 as Associações Empresariais têm tentado transmitir aos governos a necessidade de uniformizar a bitola com a Europa, tendo em conta o plano estratégico de interoperabilidade, que tem subjacente as redes transeuropeias. Mas para além deste ponto importantíssimo, num contexto de descarbonização e de transporte de passageiros e mercadorias, a CE junta agora o conceito geoestratégico que se impõe com a guerra promovida pela Rússia à Europa, numa perspetiva mais alargada dos seus efeitos, isto porque a Península Ibérica ganha agora uma significativa importância num contexto de abastecimento da Europa através do transporte ferroviário. Dentro deste contexto a CE propõe que os países – Portugal, Espanha e Finlândia – apresentem um plano, num prazo de dois anos, para implantação da bitola europeia para investimentos dentro do que considera englobado na rede transeuropeia.

Os efeitos desta posição de Bruxelas não afetam as linhas que já iniciaram o processo de modernização, contudo a nova linha de alta velocidade Lisboa-Porto, que enquanto infraestrutura ferroviária, deverá ser inserida na rede transeuropeia, logo deverá ser construída em bitola europeia. Porém não foi essa a decisão do governo. É um investimento estruturante, no entanto preocupa que se mantenha a opção desta linha ser apenas para passageiros e não para tráfego misto e que mantenha a opção da circulação de comboios ibéricos.
As Associações e as Empresas têm a preocupação da competitividade em confronto com os parceiros europeus, do país ser competitivo nas próximas décadas, o que significa ter uma infraestrutura ferroviária que acrescente valor. A existência de uma linha ferroviária que permita ligar – de forma competitiva, operacional e sustentável – as regiões portuguesas mais industrializadas e com elevada vocação exportadora, como é o Norte e Centro de Portugal aos principais mercados europeus – o que impõe a ligação estruturante entre Aveiro e Salamanca em bitola europeia, sob os princípios das linhas transeuropeias. Estas duas regiões representam, conjuntamente, quase metade do PIB português e contribuem de forma muito positiva para o saldo externo, pois apresentam, sistematicamente, um excedente da balança comercial de bens.

A região Sul não poe ser descurada, ainda mais agora num novo quadro geoestratégico. O reforço da operacionalidade e competitividade deste corredor internacional é incontornável, de modo a servir quer o tráfego de passageiros para Madrid, quer o transporte de mercadorias da região Sul e do porto de Sines. Portanto, é crucial que estes dois corredores ferroviários internacionais, do Norte e do Sul, assegurem todas as condições de interligação internacional competitiva, nomeadamente a interoperabilidade. O que basicamente significa: vias duplas; vias mistas – mercadorias e passageiros; que permita a circulação de comboios de 750 metros; circulação de composições de 1400 tons com tração simples e uma carga máxima admissível, de 25 tons por eixo. Sem esquecer a bitola europeia ou numa primeira fase bi-bitola, a eletrificação das linhas a 25kv e implantação de sistema ERTMS.

É importante que as ligações de passageiros Lisboa-Madrid e Porto-Madrid, através dos corredores internacionais, possam acontecer em menos de 3 horas, desejavelmente 2h45, de modo que se tornem competitivas com o transporte aéreo. O que a acontecer deixa de fazer sentido haver subsidiação para o jet fuel nestas ligações e, consequentemente, estas ligações aéreas irão perder competitividade para as ligações ferroviárias. Este é um tema que deve ser convenientemente tratado de forma a assegurarmos que as ligações possam acontecer e não se transformem num obstáculo no relacionamento, até porque a UE prepara-se para aprovar a eliminação do transporte aéreo para percursos inferiores a cerca de 700 km.
A mobilidade de mercadorias terá de ser analisada na perspetiva de um Plano Estratégico de Longo Prazo, logo devemos pensar o investimento e o seu retorno nessa perspetiva, contudo deveremos pensar que terá de ser iniciado sem demora e devidamente articulado com Espanha, porque o que está em causa é a interoperabilidade ferroviária total na Península Ibérica e com o resto da União Europeia. Assim, não podemos aceitar um calendário que nos diz quem 2030 “vamos pensar no assunto”.
As opções de bitola estão no centro de toda esta discussão, dado que não é só o custo das infraestruturas, mas também da reconversão, alteração, do material circulante. Mas a não ser assim, se não houver coragem para discutir o assunto sem sofismas, estamos a limitar a competitividade do país, quer na capacidade para as empresas produtoras de bens transacionáveis serem competitivas no espaço europeu e geradoras de resultados que contribuam para a manutenção e criação de emprego sustentável, quer na capacidade de atrairmos novos investimentos e mantermos a atividade e investimentos das empresas instaladas.

Por isso mais uma vez os comboios aparecem na discussão e parece que o governo se prepara para assobiar para o lado. A Região Centro não pode passar ao lado desta discussão e na opinião do CEC/CCIC tem mesmo que a liderar.

José Couto

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