Publicado na edição de setembro de 2022 da Revista FOZ
A HERANÇA DE BISSAYA-BARRETO
Fernando Baeta Bissaya-Barreto Rosa (n. Castanheira de Pera, 1886, f. Lisboa, 1974) foi uma das personalidades mais marcantes e influentes do séc. XX. Médico pela Universidade de Coimbra, empreendedor e político. Filho de um farmacêutico e sobrinho de médicos, assumiu-se como um dos líderes mais ativos que conduziram ao fim da Monarquia e à implantação da I.ª República.
Ainda estudante universitário discursou, em dezembro de 1906, no Centro Eleitoral Republicano José Falcão, na Figueira da Foz, vindo a envolver-se na Greve Académica de 1907, em Coimbra, tendo sido um dos fundadores do Centro Republicano Académico.
A 28/05/1911 foi eleito deputado à Assembleia Nacional Constituinte pelo círculo eleitoral n.º 25 da Figueira da Foz. Esta eleição premiava de certo modo o seu passado republicano, guindando-o à mais alta esfera do poder em Portugal.
Médico de intensa atividade médico-cirúrgica nos Hospitais da Universidade de Coimbra, veio, também, a praticar a cirurgia de errância, que apelidava de «descentralização da cirurgia», a qual foi exercida ao redor de Coimbra, incluindo a Figueira da Foz, onde prestou serviços clínicos na Santa Casa da Misericórdia, a qual o reconheceu como irmão-honorário em 1960.
Enquanto empresário o seu nome encontra-se ligado a várias unidades industriais situadas na Figueira da Foz: em 1944 os acionistas de referência da Lusitânia – Companhia Portuguesa de Pesca S.A., da Figueira da Foz, e Bissaya Barreto (acionista e presidente da Assembleia-Geral), criaram os Estaleiros Navais do Mondego, onde desde então e durante 30 anos desempenhou as funções de Presidente do Conselho de Administração.
Com Carlos Lino Gaspar além de outros ilustres figueirenses, deu início à modernização da frota de pesca longínqua (bacalhau) com a entrada ao serviço dos navios Comandante Tenreiro e Bissaya-Barreto, construídos precisamente naqueles estaleiros. Nesta unidade se construíram, diversos navios de pesca, mercantes para armadores nacionais e internacionais, além de navios de guerra, sob a superior orientação técnica do Arquiteto Naval Luís Viegas Nascimento, também ele membro do Conselho de Administração. Aos operários e tendo em atenção as deficientes condições higiénicas e salubres de trabalho, eram garantidas a assistência médica e farmacêutica.
No âmbito da Obra Social que lançou a partir de 1927, como Presidente da Junta Geral do Distrito de Coimbra, na qual procurou combater as doenças e dramas sociais mais devastadores da época (alta mortalidade infantil, tuberculose, saúde mental, entre outras), implementou uma vasta rede de equipamentos na região, alguns dos quais na Figueira:
– Entre 1930-1935 abriu o dispensário de apoio à mãe e à criança;
– A 15/08/1943 inaugurava-se, oficialmente, a Casa da Criança “Infanta D. Maria” que se compunha de uma Consulta de Puericultura, uma Creche, um Parque Infantil e um Lactário;
– Em outubro de 1947 foi inaugurada a Casa da Mãe, aproveitando-se para o efeito o edifício onde estivera instalado o Hospital Militar da Figueira da Foz. Tratava-se de uma unidade assistencial especializada, que procurava evitar abortos, infanticídios, e abandono de recém-nascidos;
– A 25/09/1950 abria as suas portas a Colónia Balnear Infantil “Dr. Oliveira Salazar”, na Mata do Cabedelo, em terreno cedido pelos Serviços Florestais, com capacidade para acolher 500 crianças, dando sequência à iniciativa da Comissão Municipal de Assistência e das forças vivas do concelho. Neste sentido, a Câmara Municipal, em gesto de incentivo e reconhecimento, aprovaria «um voto de congratulação e muito agradecimento pela projectada criação de uma Colónia Balnear Infantil naquela cidade». Um estabelecimento emblemático, de carácter eminentemente profiláctico, beneficiando dos efeitos da helioterapia e do ar marítimo na prevenção e cura de diversas doenças, que deu lugar a um Centro Geriátrico da Fundação Bissaya-Barreto, inaugurado em 2005.
– Criou e dinamizou um sanatório helio-marítimo acoplado a um centro de recuperação funcional, para doentes de tuberculose osteo-articular ou com lesões não tuberculosas, cumprindo assim o programa assistencial que se vinha desenvolvendo – erguido na parcela contígua à já referida colónia balnear. Alterações no quadro médico-social, como a redução da tuberculose osteo-articular e aumento da incidência dos acidentes de viação e de trabalho, levaram a que tivesse equacionado a transformação para Centro de Traumatologia, Ortopedia e Recuperação, que veio, contudo, a desenvolver-se no antigo Hospital Rovisco Pais e integrado no Centro Hospitalar de Coimbra conforme decreto n.º 93/71 de 22 de março. Quanto ao sanatório e centro de recuperação da Gala, após o 25 de Abril e por decisão governamental foi transformado em Hospital Distrital.
Foi, também. a Figueira da Foz quem recebeu, em 1932, o 5º Congresso Beirão, do qual Bissaya-Barreto fez parte como membro da Comissão de Honra, tendo apresentado a comunicação: «A Figueira da Foz na Profilaxia da Tuberculose e na Cura da Tuberculose Cirúrgica, um Preventório e um Sanatório Marítimo».
. Contudo, o gesto mais significativo recebido dos figueirenses decorreu da sua jubilação em 1956, no Casino Peninsular, através da Homenagem ao cirurgião, professor insigne e notável homem público. Após o descerramento de um busto no átrio da Casa da Criança, seguiu-se o almoço no Salão de Inverno, durante o qual o Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz, Engº Munõz de Oliveira, anunciou a decisão do executivo em atribuir o nome do Dr. Bissaya-Barreto à nova avenida desde a Casa da Criança à Casa da Mãe e ao Liceu.
O discurso de Bissaya-Barreto nesta cerimónia foi demonstrativo quanto ao sentimento que nutria pela Figueira:
«A Figueira, sabem-no todos, foi sempre terra dos meus encantos; desde muito novo sinto por ela uma forte atracção (…) a ela me ligaram muitos factos importantes da minha vida politica, profissional e social. Quem assim é demonstra-o a predilecção que esta formosíssima praia sempre me mereceu, atestam-no as nossas realizações de carácter médico-social que, carinhosamente, cuidam da sua gente, e lhe assistem (…) Uma verdade, meus Amigos, lhes posso garantir – tenho estado sempre presente e vigilante junto desta terra dos meus encantos; continuarei a estar presente e vigilante, assistindo-lhe com o melhor carinho, que possa viver no recanto mais querido do meu coração»
É ainda de assinalar o envolvimento de Bissaya-Barreto pelo progresso da Figueira da Foz, sendo de destacar a criação do Liceu Nacional, ou o apoio para as obras no seu porto de mar.
Homenagem ao Prof. Bissaya Barreto, a 25/11/1956, no Grande Casino Peninsular. Usa da palavra Bissaya Barreto. Na mesa de honra, da esquerda para a direita: Coronel Ernesto Nogueira Pestana (Governador Civil de Coimbra), Esposa do Eng.º Muñoz de Oliveira, Dr. Augusto Simões e Prof. Bissaya Barreto.
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Bibliografia
Bissaya Barreto (1970). Uma Obra Social realizada em Coimbra, vol. I. Coimbra: Coimbra Editora Limidata.
Pinho, João (2008). Conhecer Bissaya-Barreto. Suplemento do Jornal Campeão das Províncias, 08/05/2008
– (2017). «O cirurgião Bissaya-Barreto e a sua Obra Social» in Médicos e Sociedade – para uma história da Medicina em Portugal no século XX. 314-329. Lisboa By the Book
– (2021). «A territorialização da atividade do médico e cirurgião Bissaya-Barreto» in Revista da Ordem dos Médicos, ano 37, n.º 214: 36-37. Lisboa: Conselho Nacional da Ordem dos Médicos
Prata, M. A. (2002). A Academia de Coimbra (1880-1926): contributo para a sua história. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra.
Boletim de Assistência Social, Ano 8, N.º 89 e 91, julho a setembro 1950,
O Figueirense, 01/12/1956; 15/10/1960