Uma questão de perspetiva – Opinião – Ricardo Costa Santos

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Texto de Opinião

Ricardo Costa Santos

Uma questão de perspetiva

Julgo ser importante utilizar este primeiro ensaio para introduzir uma ideia aparentemente simples e até auto-evidente mas sobre a qual, coletivamente, não refletimos com a devida seriedade. Assim, irei começar por lançar-lhe o seguinte desafio: antes que prossiga com a sua leitura, dedique alguns momentos a olhar em sua volta e a fazer uma descrição mental do local em que se encontra.

Pergunto-lhe, caro leitor, porque descreveu o local desse modo? Porque referiu esses elementos e não aqueles que, propositada ou inadvertidamente, ficaram por mencionar? Porquê nessa ordem? Note que o número de possíveis descrições verdadeiras que tinha à sua disposição é quase infinito. Muito provavelmente e sem grande esforço conseguirá até pensar em várias descrições mais verdadeiras e completas do que a que fez inicialmente. Óbvio, não é? 

Procure repetir o exercício as vezes que considerar necessárias. Não importará o esforço ou o nível de detalhe que coloque pois, no final, aperceber-se-á de que qualquer descrição que formule será sempre uma simplificação incompleta que poderá, ou não, ter parecenças com a realidade, mas que nunca será capaz de descrever toda a realidade. Afinal de contas, como humanos, estamos limitados na nossa capacidade de captar e comunicar informação.

A ideia de que somos incapazes de ver realidade objetiva pode ser controversa, mas está longe de ser nova ou de se justificar apenas pelas nossas limitações físicas. Nos últimos anos tem havido, e bem, uma maior consciencialização para o facto de sermos influenciados por fatores biológicos e culturais que determinam o modo como interpretamos o mundo que nos rodeia. Usando outras palavras, é importante compreendermos que está na nossa natureza ter um ponto de vista, mas mais importante ainda é reconhecermos que esse ponto de vista não é neutro. Tendemos a atribuir, de forma inconsciente, uma superioridade quase auto-evidente aos ideais e posições que vão de encontro ao nosso ponto de vista. Procuramos e destacamos confirmações para as nossas ideias pré-concebidas enquanto relativizamos, ou até omitimos, tudo o que as desafia. No limite, até usamos as redes sociais para partilhar as nossas soluções incompletas para problemas que julgamos importantes enquanto esquecemos, ou não lembramos, que os mesmos meios de comunicação são frequentados por indivíduos com quem não partilhamos valores ou pontos de vista.

Não é minha pretensão argumentar que devemos estar constantemente alerta para todas as instâncias em que a experiência humana está mergulhada em camadas de subjetividade. No entanto, considero importante termos a humildade e empatia necessárias para contactar e conviver com perspetivas que não nos são imediatas ou evidentes, especialmente nas nossas comunidades crescentemente polarizadas. De outro modo, apenas ficaremos vulneráveis ao discurso simplista dos paladinos do senso comum e protetores dos bons costumes que, para saciarem a sua sede de poder, não hesitarão em fazer do externo ou do impuro os bodes expiatórios para os problemas sociais que apenas eles conseguirão resolver. 

 

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